As diversas faces de Exu

Tata Mujitu na Cabula Mulemba

Sua Pombogira e Exu não têm só uma face. A etimologia iorubana de seu nome significa “esfera”, então ele nunca será bidimensional: é preciso circulá-lo para conhecê-lo, um prisma por vez. Se você acha que conheceu plenamente seus espíritos, provavelmente você está engessado numa posição subjetiva — e Pombogira e Exu logo irão bagunçá-la, porque eles agem fundamentalmente como provocadores de mudança e deslocamento de sua consciência. Você já deve ter ouvido pessoas temendo a represália de seus ancestrais, como quem teme um corretivo dos pais. Isso será assim, se sua consciência estiver numa posição infantil.

Exu e Pombogira parecerão pai e mãe nos momentos em que precisamos ou de colo, ou de uma autoridade externa que nos defina o certo e errado, o apropriado e o inapropriado, quando nossa própria visão e capacidade de escolher por algum motivo esteja atrofiada ou sobrecarregada. Contudo, se nos acostumamos demais a pedir colo ou que escolham por nós, em algum momento nossos pais estrategicamente nos abandonam para que nossa autonomia seja desafiada. Você também deve ter ouvido pessoas que enfatizam como Exu é o diabo. Isso será assim, para quem estiver rígido e unilateral demais em suas convicções.
A incapacidade de considerar pontos de vista contraditórios fará Exu constelar na sua vida como antagonista, desafiador, sombra que debocha da sua certeza, ameaça com o diferente e provoca com tentações. Contudo, se Exu só lhe for diabólico, isso significa antes de tudo que sua consciência permaneceu estreita. Você também deve ter ouvido quem fala de Exu e Pombogira como professores. Eles desenham, quando precisamos entender — mas se sempre precisamos deles nessa posição, talvez estejamos presos demais à sala de aula, sem ir para o mundo.

Se Exu e Pombogira sempre se manifestam como amigos, cúmplices que nos protegem, talvez você esteja romantizando suas relações e subestimando que amigos discordam, e logo se depare com a insatisfação inesperada de seus espíritos. E, ainda, se você trata Exu e Pombogira como provedores ou mesmo escravos de seus caprichos, talvez não esteja enxergando como sua própria consciência se tornou escrava de seus desejos e reatividades. O que todos esses exemplos ilustram? Que a personalidade do espírito vai se revelar em relação à sua própria e ao seu momento existencial. Conhecê-los é sempre conhecê-los em relação a nós. Isso significa que, se você estiver em movimento, se desconhecendo e se re-conhecendo, Exu e Pombogira nunca esgotarão suas novas faces, e com isso nunca cessarão de ampliar sua própria consciência. Como a boca que tudo come, o objetivo é que ela abranja ambiciosamente o mundo, e que assim nós possamos ziguezaguear pelas curvas da existência com paixão e harmonia.

Talvez aquela Pombogira que sempre lhe apareceu como uma jovem malandra se mostre como velha sábia — e continue sendo ela mesma, aquela sua velha conhecida, o mesmo espírito. Talvez aquele Exu que sempre se manifestou sério, pesando o ar do ambiente, eventualmente gargalhe e faça piada. Se novidade dentro e fora de você se apresenta, talvez seja um sinal que você está dançando com Pombogira e Exu: capoeirista, esférico, adaptando-se, às vezes até soando contraditório ou incômodo para quem espera previsibilidade de você, mas sempre em movimento, no mercado ou na introversão, na encruzilhada e no sossego de casa. Até que, enfim, entendamos que movimento é estabilidade e que caos é paz.

Por Tata N'ganga Mujitu

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