Quimbanda: Um lugar de não-retorno
Eu cruzo o limiar da porta: essa habitação, essa morada, é um espaço de não-retorno.
Entrecruzam-me caminhos que olham para trás, estradas que apontam a dianteira.
Tradição e vanguarda. A sobriedade da treva e o incauto brilho - devorador e acolhedor. Escárnio e maldição.
Não é possível traduzir, ou precisar, o matiz que preenche o espaço em que vivem Exu e Pombogira. No lá fora e no aqui dentro. Eu tenho me convencido, a cada troca, a cada comunhão, de que há uma certa pedagogia intrínseca à natureza do Ancestral. Talvez uma pedagogia ligeiramente roseana: na medida em que essas feiticeiras, esses feiticeiros, ilustres, afamadas, parecem nos lançar, antes, a uma espécie de travessia – e não a um ponto de chegada definido. Não são os limites, de partida ou de chegada, que verdadeiramente importam.
É o movimentar-se. É subverter o que cerca e se lançar à "terceira margem" (e aqui eu evoco novamente a perspectiva de Guimarães Rosa). Essa margem, que existe e inexiste simultaneamente, é o palco em que a lida com os espíritos se desdobra. Evocá-los para partilhar de sua presença, para obter o conhecimento dos tesouros da vida, é também jogar com a sorte, com o azar, com a dor e com o gozo.
Cruzar o limiar da porta é aceitar ser encantado por um vozerio que se tece enquanto próprio enredo. Iniciar-se, isto é, abandonar uma miríade de convicções em favor de uma nova e intransferível experiência, é também despertar, nutrir e alimentar-se de um ígneo coração. Um coração peregrino, para o qual não há paragem que não seja uma terceira margem.