Encruzilhadas de Poder

Escrito por Tata N'ganga Mujitu

Na foto Mãe Cacilda de Assis no Rio de Janeiro

Na Quimbanda que praticamos, nos é ensinado que Exu e Pombogira são nossos ancestrais, mas não ancestrais quaisquer: são aqueles que se empoderaram através da sabedoria de suas experiências de vida e se capacitaram para agir no mundo espiritual, livres da prisão da ignorância. Por já terem sido humanos e vivido na pele as dores e delícias da existência, entendem nossos anseios e limites com familiaridade. Aqui, Pombogira e Exu carregam um mistério da compaixão. 

Mas, como Pombogira e Exu também carregam em si o mistério do próprio movimento, convém não fechá-los demais nem mesmo nessa definição, e sempre aprender diretamente com eles. Exu sempre surpreende, excede e supera. 

Então, Exu é força ancestral que se renova, atravessando o tempo através de nós, mas estes nossos ancestrais bruxos e bruxas também se conectam com o mistério da própria natureza. Como falar em Pombogira do Luar, em Exu dos Rios, Exu Sete Cachoeiras, Pombogira Sete Catacumbas, se não reconhecermos que essas feiticeiras e feiticeiros se entranham na base da própria realidade, como a conhecemos? Não tem Exu na luz que guia, nos rios que se encontram, nas águas furiosas, na morte, na decomposição, na condução das almas?

Na Cabula, é ensinado que Pombogiras e Exus são “guardiões das encruzilhadas de poder”. Mas que encruzilhadas seriam essas? Podemos entender como a encruzilhada na minha esquina, ou como o cruzeiro do cemitério, que são de fato pontos de poder, úteis para rituais. Mas só isso seria raso. As encruzilhadas de poder são as grandes áreas da vida, que são expressões da natureza, ou dos poderes manifestados – ou, ainda, em terminologia banto, são Nkisi.

Essas áreas também podem ser vistas como: alegria, amor, inteligência, desejo, sexo, comércio, dinheiro, encontros, desencontros, saúde, doença, nascimento, angústia, morte. Pombogira e Exu são guardiões dos movimentos da vida. 

Cada um desses movimentos é um portal em si mesmo, uma travessia, uma encruzilhada e uma oportunidade de sabedoria. O objetivo maior da(o) feiticeira(o) é se tornar um(a) mestre da vida – e, se isso não for possível, a gente se esforça como se fosse. Assim, no mínimo, conseguimos honrar Pombogira e Exu e, talvez, consigamos viver sendo a nós mesmos inteiramente, com honestidade.



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