Kijila de Exu: Preceitos e Promessas
Por Tata N'ganga Mujitu
Se você acompanha conteúdos de Quimbanda, já deve ter lido ou ouvido falas alertando do perigo de prometer algo para Exu ou Pombogira e não cumprir, ou mesmo de não estar honrando Exu ou Pombogira adequadamente na sua vida e o que essa falta pode gerar. Esses avisos sinalizam que dívidas com Exu podem fechar caminhos e gerar represálias temíveis – as famosas quizilas (do kimbundo kijila, que se refere a regras e preceitos a serem seguidos por quem está num caminho espiritual), palavra que também usamos para designar quando alguém quebra algum desses preceitos e os espíritos se enquizilam com ela(e).
É importante desdobrarmos o que isso significa com muito respeito aos nossos espíritos e também com lucidez, para não simplesmente imaginarmos Exu como um vingativo e temperamental fantasma que se enfurece quando é desagradado – um temor que talvez fale muito mais da nossa própria pequeneza do que da sabedoria de nossos ancestrais bruxos e bruxas.
O primeiro ponto a ser compreendido é que Quimbanda é um caminho radical – isto é, que trabalha nossas raízes ancestrais – em prol de nossa libertação pessoal, e que muitas vezes isso vai significar o rompimento com a moralidade coletiva, que frequentemente seguimos inconscientemente. Sim, a Quimbanda promove que gozemos da vida sem culpa, que percebamos que Exu e Pombogira são alegria e que vivamos, façamos e amemos como bem entendermos. Mas a ruptura com a moralidade coletiva implica simultaneamente na necessidade de criar e honrar uma ética pessoal.
Uma pergunta que particularmente me ajuda é: que vida eu quero desenhar para mim? Essa perspectiva ajuda a prevenir ciladas e pode auxiliar a nos mantermos em retidão com nós mesmos e com os espíritos que nos guardam. Por isso, a ética pessoal da(o) feiticeira(o) é composta de regras e preceitos pessoais construídos entre ela(e) e seus espíritos. A sua ética pode ser diferente da minha, mas a traição à nossa ética pessoal é sempre um ataque ao nosso próprio universo pessoal.
Voltemos ao ponto da dívida com Exu, ou de ter um Exu enquizilado consigo. Na nossa tradição de Quimbanda, Exu e Pombogira são os feiticeiros e feiticeiras mortas que carregamos no nosso sangue – mas se, por um lado, eles são pessoas mortas com suas personalidades singulares, eles também carregam em si o próprio movimento da vida, afinal, estamos vivos por causa de nossos ancestrais, e é o fogo deles que continua a animar os nossos corpos. Em outras palavras, ninguém vive sem Exu.
Quando alguém promete e não cumpre algo para um Exu ou Pombogira, que ato de magia está sendo realizado? É simples: estamos virando as costas para a própria vida que nos anima. As consequências são inevitáveis não porque Exu é mau e nos castiga, mas porque somos tolos.
Já testemunhei casos próximos como, por exemplo, a de que uma simples vela prometida e não dada a uma Pombogira quase resultou no inesperado incêndio de um apartamento. Devemos temer essa Pombogira temperamental, ou nos perguntar sobre o que nos acontece quando nós mesmos nos amaldiçoamos, ao dar as costas para o fluxo da vida? Se uma Pombogira precisou quase queimar sua casa, ou fechar um caminho, ou trazer uma perda para chamar sua atenção, quão desalinhada está a sua vida? Certamente, o ponto aqui não foi a pequenez de uma vela, mas como você está levando seu caminho espiritual. “Quem avisa amigo é” – e Exu e Pombogira avisam, pelo amor ou pela dor.
Portanto, é vital compreender o que significa “dever a Exu”. Devemos a Exu quando recusamos mudança e transformação. Devemos a Exu quando desonramos nosso próprio poder pessoal, prostituindo-o seja por carências, ou em troca da sensação efêmera de pequenos poderes. Devemos a Exu quando só culpamos os outros – às vezes, até a espiritualidade! – pelo que nos acontece. Devemos a Exu quando não agimos como pessoas livres e responsáveis pela nossa própria existência. Devemos a Exu quando não vivemos uma vida boa.